terça-feira, 23 de novembro de 2010

Governo Lula o que mudou

Avaliar é comparar fatos com valores. Nesta avaliação dos dois primeiros anos do governo Lula, escolhemos como termo de comparação o projeto de construção nacional. Usando a fórmula sintética e precisa de Caio Prado Jr.: em que medida estes dois anos de governo contribuíram para acelerar a transição entre o "Brasilcolônia de ontem para o Brasil-Nação de amanhã"?

Três aspectos dessa transição serão examinados: redução da desigualdade; aumento da autonomia; e organização política do povo. Quanto à redução da desigualdade social, cabe dizer: considerados os dois anos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi medíocre, não chegando a afetar o PIB per capita. Melhorou em 2004, mas não teve impacto maior - seja na questão do emprego (que aumentou pouco diante do tamanho da força de trabalho), seja na dos salários (de fato, o salário médio diminuiu no biênio).

O governo fez um esforço para exigir a formalização das relações de emprego - o que poderia se refletir em melhoria dos salários. Apesar disso, porém, o número de trabalhadores com carteira profissional assinada é ainda inferior ao dos trabalhadores sob contrato informal, o que ajudaria a explicar o fato escandaloso de a renda de quase um quarto (23,8%, segundo o Ipea) dos trabalhadores brasileiros ser inferior ao salário-mínimo.

Tendo herdado uma situação de desigualdade secular, o governo poderia alegar a impossibilidade de reverter esse quadro em apenas dois anos. O argumento seria aceitável se, nestes dois anos, medidas eficazes tivessem sido tomadas para alterar as estruturas viciadas que criam a desigualdade. Isso, porém, não foi o que se viu.

A reforma agrária não saiu do papel. A meta de assentamento de um milhão de famílias, em quatro anos, sufi ciente para gerar uma dinâmica virtuosa de redistribuição da riqueza no campo, foi cortada pela metade, e essa metade não está sendo executada.

Não se falou de reforma urbana - outra medida estrutural de redução de desigualdades sociais. Nem mesmo se pôs em marcha um programa tradicional de construção de casas populares de dimensões minimamente proporcionais ao tamanho do problema.

Não cogitou também da utilização dos impostos para redistribuir renda - instrumento de que se serviram os países desenvolvidos da Europa e da América do Norte para reduzir as distâncias entre ricos e pobres. O que se viu foi uma verdadeira fúria arrecadadora, completamente indiferente ao fato de que o sistema tributário vigente onera desproporcionalmente as camadas mais pobres da população.

Programas sonoros e insuficientes

Na falta de reformas estruturais, o combate à desigualdade social limitou-se aos gastos assistenciais do Estado. Nesse plano, o que se constata é que, após dois anos de Fome Zero, Bolsa Escola, Renda Mínima e outros tantos programas com títulos sonoros, o governo não conseguiu desfazer-se inteiramente do conceito neoliberal dos "gastos sociais focalizados". O anunciado vetor "estruturante" dessas transferências de renda aos setores mais pobres não passou do terreno das boas intenções.

A desproporção entre os recursos alocados (mesmo que tenham sido superior em relação aos do governo passado) e o tamanho das demandas da imensa massa de pobres frustrou esse objetivo. Minúsculas transferências de renda não geram uma dinâmica social favorável ao protagonismo político e social dos marginalizados. Em outras palavras: apesar das boas intenções, não se conseguiu sair da linha tradicional do assistencialismo praticado pelas elites dominantes e destinado meramente a atenuar situações gritantes e explosivas de pobreza.

O grande argumento dos conservadores no terreno da redistribuição de renda é a necessidade de haver renda para ser distribuída. Assim, o governo estaria cuidando de cumprir essa condição prévia a uma política redistributiva vigorosa. Os resultados obtidos são motivo de vanglória, pois a economia cresceu, em 2004, a uma taxa próxima de 5% - o melhor resultado em nove anos.

A taxa de crescimento é exibida como prova do acerto da política econômica. Mas, para colocá-la em perspectiva, convém compará-la com o crescimento das economias da Venezuela (18%); Uruguai (12%); Argentina (8,2%); Equador (6%); Panamá (6%); Chile (5,8%), no mesmo período. Nesse contexto mais amplo, cabe indagar se os proclamados 5% do Brasil serão mesmo o resultado de uma atilada condução da economia ou de uma conjuntura expansionista do mercado internacional, dadas as performances dos Estados Unidos e da China. Qual a garantia de que essa taxa se manterá por algum tempo?

Mas o ponto central da polêmica redistributiva não é esse. Mesmo que a taxa de 2004 se mantenha por cinco, dez e até mais anos (o que nenhum economista se arrisca a prever), se o esquema estrutural de repartição da renda não for alterado, a situação de desigualdade social será substancialmente a mesma, ainda que num patamar de renda um pouco superior. A conclusão desta análise é de que não houve, nos dois primeiros anos do governo Lula, nenhum resultado significativo em termos de redução das desigualdades sociais.

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